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Reposição ao erário e o artigo 46 da Lei 8.112/90

23 fevereiro, 2022

Você, servidor público ou pensionista, já se deparou com alguma determinação de devolver para a administração pública valores supostamente recebidos a maior, nos termos do art. 46 da Lei 8.112/90? Nesse artigo, abordaremos alguns pontos importantes sobre essa temática.

Reposição ao erário é a determinação da administração pública que o servidor ou pensionista devolva aos cofres públicos valores recebidos de maneira indevida. O pagamento a maior para os servidores ou pensionistas usualmente ocorre em dos dois cenários: erro administrativo (operacional ou de cálculo) ou equivocada interpretação da lei por parte da administração pública.

Por muito tempo, entendeu-se ser dispensável o ressarcimento de valores indevidamente pagos aos servidores ou pensionistas, seja por erro operacional ou equivocada interpretação de leis, salvo quando comprovada a má-fé. Isso quer dizer que o servidor ou pensionista apenas deveria devolver a quantia que recebeu a maior caso tivesse concorrido para que o erro ocorresse.

Entretanto, com o julgamento do Tema nº 1.009, o STJ firmou a seguinte tese:

Os pagamentos indevidos aos servidores públicos decorrentes de erro administrativo (operacional ou de cálculo), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, estão sujeitos à devolução, ressalvadas as hipóteses em que o servidor, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.

Nesse sentido, o STJ alterou o entendimento anteriormente firmado, decidindo que pagamentos feitos a maior aos servidores públicos ou pensionistas e que tenham sido decorrentes de erros administrativos (operacional ou de cálculo) estão sujeitos à devolução ao erário, exceto quando comprovada a boa-fé no recebimento dos valores.

No atual entendimento do STJ, presume-se a boa-fé dos servidores públicos e pensionistas apenas quando receberem valores a maior em face de equivocada interpretação de lei pela administração pública, ao fundamento de que “quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público”.

O STJ, em completa dissonância com o ordenamento jurídico pátrio, no qual a caracterização da má-fé exige prova, enquanto a boa-fé deve ser presumida, passa a exigir, nos casos de pagamento a maior por erro operacional, a comprovação de boa-fé do servidor ou pensionista quanto ao recebimento daqueles valores, contraposição direita ao princípio de proteção da confiança legítima e da presunção de legalidade e veracidade dos atos administrativos.

No que tange à comprovação da boa-fé, é irreal esperar que servidor ou pensionista perceba que alguma das rubricas que compõe o contracheque apresenta valor pouco maior do que aquele que efetivamente deveria perceber e informe tal equívoco à administração pública. Muitas das vezes, as diferenças são ínfimas, e, repetindo-se o erro mês a mês, o servidor ou pensionista acredita que recebe efetivamente valores que lhe são devidos.

Elucidado o posicionamento do STJ sobre o tema, trataremos mais especificamente do art. 46 da Lei 8.112/90, dispositivo legal frequentemente utilizado pela administração pública para cobrar dos servidores ou pensionistas os supostos valores recebidos por eles a maior.

O art. 46 da Lei 8.112/90 determina que:

Art. 46.  As reposições e indenizações ao erário, atualizadas até 30 de junho de 1994, serão previamente comunicadas ao servidor ativo, aposentado ou ao pensionista, para pagamento, no prazo máximo de trinta dias, podendo ser parceladas, a pedido do interessado.

No mencionado artigo, é definido que a Administração Pública deve informar previamente ao servidor caso sejam necessárias reposições ou indenizações ao erário, que poderá requerer o parcelamento do valor caso concorde em pagá-lo.

No entanto é usual que a administração pública, utilizando de direito subjetivo do servidor ou pensionista (requerer parcelamento de débito com a administração que concorda), notifique-os no sentido de que deve determinado valor, que está sendo parcelado nos termos do art. 46 da Lei 8.112/90, distorcendo o conteúdo daquele dispositivo, direito do servidor ou pensionista.

Por ocasião do julgamento do Mandado de Segurança de 24182/DF, Relator Ministro Maurício Corrêa (julgamento em 12.02.2004, DJ de 03.09.2004), o Pleno do Supremo Tribunal Federal decidiu, em síntese, que:

 

 “(…) 5. A Administração acha-se restrita às sanções de natureza administrativa, não podendo alcançar, compulsoriamente, as consequências civis e penais. 6. À falta de prévia aquiescência do servidor, cabe à Administração propor ação de indenização para confirmação, ou não do ressarcimento apurado na esfera administrativa.7. O art. 46 da Lei 8.112/90, dispõe que o desconto em folha de pagamento é a forma como poderá ocorrer o pagamento pelo servidor, após sua concordância com a conclusão administrativa ou a condenação judicial transitada em julgado. 8.Mandado de Segurança deferido”.

 

O Ministro Maurício Corrêa (Relator) votou pelo deferimento da ordem, no que foi seguido por seus pares, após se reportar, como razão de decidir, entre outros fortes argumentos, à lição do jurista Hely Lopes Meirelles, para quem o desconto em folha, a título de reposições e indenizações para o erário, seria válido apenas quando o interessado manifestasse concordância inequívoca com a conclusão administrativa ou haja condenação judicial transitada em julgado.

Nessa direção, o E. TRF da 1ª Região já firmou entendimento no sentido de que:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. VALORES PERCEBIDOS DE BOA-FÉ. RESTITUIÇÃO AO ERÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. ART. 46 DA LEI Nº 8.112/90. PRECEDENTES DO STJ E DO TRF1. 1. O eg. STJ já firmou entendimento no sentido da inexigibilidade da devolução de valores de caráter alimentar percebidos pelo servidor público em razão de eventual interpretação errônea, má aplicação da lei oi por erro da própria Administração. 2.No que diz respeito ao quanto disposto no art. 46 da Lei nº 8.112/90, prevalece o entendimento jurisprudencial no sentido de que não se trata de regra de natureza absoluta, haja vista que mitigada pelo princípio da boa-fé objetiva. 3.Agravo de instrumento provido para declarar a nulidade da decisão administrativa, que determinou a reposição ao erário da Gratificação por Encargo de Curso ou Concurso GECC. percebida de boa-fé e após efetiva prestação de serviços pelo agravante. Agravo interno prejudicado.

(TRF-1 – AGTAG: 10280104220184010000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA, Data de Julgamento: 27/05/2020, SEGUNDA TURMA)

 

Nesse sentido, a regra do art. 46 da Lei 8.112/90 não tem o condão de autorizar descontos unilaterais sobre os vencimentos dos servidores ou pensionistas, carecendo, portanto, do requerimento do servidor ou pensionista.

Importante ressaltar que a Administração Pública não pode determinar devolução de quaisquer valores sem que seja realizado, previamente, processo administrativo, no qual sejam respeitados os princípios de ampla defesa, contraditório, legalidade e outros, definidos pela Lei nº 9.784/99.

Apenas após o devido processo administrativo e caso haja a concordância por parte do servidor com o débito bem como requerimento do parcelamento, a Administração Pública poderá realizar o desconto parcelado em folha da quantia a ser restituída pelo servidor ou pensionista, nos termos do art. 46 da Lei 8.112/90.

Entretanto, caso o servidor ou pensionista discorde do resultado do processo administrativo e não concorde com o desconto em folha, poderá recorrer ao poder judiciário em busca da reforma daquela decisão administrativa.

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