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GACEN: luta que continua

1 setembro, 2021

Dr. Carlos Frederico Gusman Pereira

O artigo 54 da lei nº 11.784/2008 criou a gratificação de atividade de combate e controle de endemias (GACEN), destinada aos ocupantes dos cargos de agente auxiliar de saúde pública, agente de saúde pública e guarda de endemias vinculados ao Ministério da Saúde ou à Funasa.

O parágrafo 3º do mesmo artigo previu a incorporação da GACEN para os aposentados e pensionistas, no percentual de 40%, a partir de 01/03/2008, e de 50%, a partir de 01/01/2009, fixada em valor específico.

Também determinou que esses percentuais somente seriam destinados às aposentadorias e pensões instituídas até 19/02/2004, data em que começou a produzir seus efeitos a Ementa Constitucional nº 41/2003, que acabou com a paridade (direito do aposentado e pensionista receber todos os reajustes e vantagens destinados aos servidores ativos) e com integralidade (proventos fixados de acordo com a última remuneração em atividade).

A GACEN é paga em valor determinado, sem depender de avaliação de desempenho, o que a diferencia das dezenas de outras gratificações criadas para as demais carreiras do serviço federal pela Lei nº11.784.

A Lei 11.907/2009 em seu artigo 284, ampliou o numero de cargos de servidores do Ministério da Saúde e da Funasa que passaram a ter direito à GACEN:

Art. 284.  Aplica-se a Gratificação de Atividade de Combate e Controle de Endemias – GACEN, de que trata o art. 54 da Lei nº 11.784, de 22 de setembro de 2008, aos servidores do Quadro de Pessoal do Ministério da Saúde e do Quadro de Pessoal da Fundação Nacional de Saúde – FUNASA, regidos pela Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, ocupantes dos seguintes cargos:
I – Agente de Saúde;
II – Auxiliar de Laboratório;
III – Auxiliar de Laboratório 8 (oito) horas;
IV – Auxiliar de Saneamento;
V – Divulgador Sanitário;
VI – Educador em Saúde;
VII – Laboratorista;
VIII – Laboratorista Jornada 8 (oito) horas;
IX – Microscopista;
X – Orientador em Saúde;
XI – Técnico de Laboratório;
XII – Visitador Sanitário; e
XIII – Inspetor de Saneamento.
Parágrafo único. O titular do cargo de Motorista ou de Motorista Oficial que, em caráter permanente, realizar atividades de apoio e de transporte das equipes e dos insumos necessários para o combate e controle das endemias fará jus à gratificação a que se refere o caput deste artigo.

O artigo 284- A, inclui mais sete cargos como destinatário da gratificação:

Art. 284-A. A partir de 1o de janeiro de 2010, aplicar-se-á a GACEN aos titulares dos seguintes cargos efetivos do Quadro de Pessoal do Ministério da Saúde e do Quadro de Pessoal da FUNASA, regidos pela Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que, em caráter permanente, realizarem atividades de apoio e de transporte das equipes e dos insumos necessários para o combate e o controle das endemias:
I – Mestre de Lancha;
II – Condutor de Lancha;
III – Agente de Transporte Marítimo e Fluvial;
IV – Auxiliar de Transporte Marítimo e Fluvial;
V – Comandante de Navio;
VI – Artífice de Mecânica;
VII – Cartógrafo.

Quando os aposentados e pensionistas com direito a paridade passaram a ingressar em juízo com ações pedindo pagamento integral do valor da GACEN, parte do Judiciário adotou o entendimento de que só teriam direito ao valor integral da vantagem os servidores em atividade, visto que ela seria paga em razão do trabalho desempenhado, o que não seria possível para os inativos.

O defeito fundamental deste raciocínio foi o de deixar de considerar de que, ao ser instituída a GACEN, ela foi também destinada aos aposentados e pensionistas, mas com a metade do valor recebido pelos servidores em atividade.

Não existe meia incorporação.
Ou a vantagem é incorporável ou não é.

Esta incorporação pela metade teve por objetivo contornar os efeitos da paridade.

É importante notar que a maioria das gratificações criadas pela Lei 11.784 dependia de avaliação de desempenho, fórmula usada para afastar os inativos do recebimento da vantagem.

A manobra foi tão evidente que o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que, enquanto não fossem efetuadas as avaliações de desempenho, o pagamento de gratificações deveria ser idêntico para aposentados e pensionistas com direito a paridade.

Tornou mais clara a manobra a Lei nº 13.324, de 29 de julho de 2016, que previu a incorporação da totalidade da GACEN aos proventos de aposentadoria e pensão, desde que tivesse sido recebida pelo prazo mínimo de 60 meses antes da aposentadoria ou da instituição da pensão.

Em Minas Gerais, o Juizado Especial Federal conta com 4 turmas recursais, sendo que no interior existem turmas também em Juiz de Fora e Uberlândia.

As turmas de Belo Horizonte, com especial destaque para a 3ª, eram inflexíveis em negar a incorporação da GACEN, chegando ao ponto de afirmar que a incorporação permitida pela Lei nº 13.324 foi mera liberalidade.

Destas decisões negativas cabia recurso à Turma Nacional de Unificação de Jurisprudência dos Juizados Federais. Para isso, era necessário demonstrar que turma recursal de Tribunal Regional diferente havia decidido de maneira diversa.

Num primeiro momento, a Turma Nacional fixou o entendimento de que a GACEN deveria ser incorporada para os aposentados e pensionistas em sua totalidade. Mas, como várias turmas recursais, com destaque especial para as de Belo Horizonte, continuaram decidindo contra aquela decisão, foi instaurado novo procedimento de uniformização de jurisprudência, que ao ser julgado em 25/02/2021, adotou a seguinte tese:

GRATIFICAÇÃO DE ATIVIDADE DE COMBATE E CONTROLE DE ENDEMIAS (GACEN – LEI 11.784/2008). CARÁTER GERAL. INCIDENTE CONHECIDO E PROVIDO. 1. A Gratificação de Atividade de Combate e Controle de Endemia – GACEN tem caráter geral, uma vez que é paga de forma genérica, ou seja, independentemente de avaliação de produtividade, aos ocupantes dos cargos mencionados no art. 53 e no art. 54 da Lei n.º 11.784/2008, que comprovem o exercício de atividade de combate e controle de endemias, em área urbana ou rural, inclusive em terras indígenas e de remanescentes quilombolas, áreas extrativistas e ribeirinhas.

Após esta decisão, as turmas recusais passaram a acatar a nova orientação.

Como a União e a Funasa interpuseram junto ao Superior Tribunal de Justiça pedido de uniformização de lei federal em sentindo contrário ao definido pela TNU, o acórdão da Turma Nacional não transitou em julgado, o que tem acarretado a paralisação do andamento dos processos relativos à incorporação da GACEN, até o incidente ser decidido pelo Superior Tribunal de Justiça.

Este é um claro exemplo de como a administração tenta, de várias formas, deixar de cumprir a paridade decorrente da Constituição Federal, prejudicando uma das mais valorosas e desvalorizadas (pela administração) categorias de servidores públicos federais, cujos os integrantes são expostos a vários riscos em razão do trabalho realizado, e que é de fundamental importância para toda a coletividade.

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