4 novembro, 2021
Matheus Pessoa
A reposição ao erário pode ser definida, em síntese, como a restituição ao Tesouro Nacional de importâncias recebidas indevidamente por servidores públicos ativos, inativos e pensionistas.
É comum, por exemplo, que autarquias federais emitam notificações direcionadas a servidores públicos a elas vinculados e instaurem processos administrativos no intuito de obter o ressarcimento de valores que antes eram pagos periodicamente, alegando que tais quantias foram pagas em decorrência de erro operacional ou interpretação equivocada da lei.
Diante disso, diversas entidades sindicais ajuizaram ações reivindicando o direito dos servidores públicos à não devolução de valores recebidos de boa-fé, ainda que decorrentes de eventuais erros interpretativos e/ou operacionais por parte da Administração Pública. No que diz respeito à manutenção dos benefícios pagos, alguns sindicatos pleitearam o respeito ao prazo decadencial estabelecido pelo artigo 54, § 1o, da Lei 9.784/1999, que dispõe que o direito da Administração de anular os atos administrativos que gerem efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, a contar da percepção do primeiro pagamento.
Tais discussões jurídicas chegaram ao âmbito do Superior Tribunal de Justiça – STJ. Em razão da grande quantidade de processos com idêntico embate jurídico, o Tribunal elegeu casos pontuais a serem julgados por intermédio da sistemática de Recursos Repetitivos estabelecida pelo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015), na qual o Tribunal define teses a serem aplicadas a todos os processos em que discutida idêntica questão de direito, em âmbito nacional.
Neste cenário, emergiram os Temas nº 551, 979 e 1009 do STJ.
O Tema nº 551 tratou da possibilidade de devolução ao erário de valores pagos indevidamente pela Administração Pública e recebidos de boa-fé pelo servidor público. A tese firmada no referido tema foi a de que quando a Administração paga valores indevidamente em razão de interpretação equivocada de determinada lei, “cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público”.
Logo, valores recebidos em razão de interpretação errônea de lei pela Administração Pública são irrepetíveis, haja vista a expectativa gerada pela própria Administração de que tais valores estariam dentro da legalidade.
Por sua vez, o Tema nº 979 analisou a devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, especificamente a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
No tema supracitado foi definida a tese de que, em suma, os benefícios previdenciários pagos indevidamente em razão de erro administrativo (material ou operacional), desde que não embasados em interpretação equivocada de lei pela Administração, autorizam a cobrança de valores a título de reposição ao erário, sendo legítimo o desconto equivalente a até 30% (trinta por cento) do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese de comprovada boa-fé objetiva pelo segurado, na qual este demonstra, sobretudo, a impossibilidade de constatar o pagamento indevido.
Vê-se, portanto, que no caso de benefício previdenciário pago indevidamente em razão de erro administrativo, deve haver comprovada boa-fé objetiva pelo servidor público. Em linhas gerais, a boa-fé objetiva é aquela que analisa o comportamento do sujeito, ou seja, no agir com lealdade jurídica, enquanto a boa-fé subjetiva tem foco na intenção do agente.
Por fim, o Tema nº 1009, em complementação ao Tema 551, estabeleceu que os pagamentos indevidos aos servidores públicos decorrentes de erro administrativo (operacional ou de cálculo), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, estão sujeitos à devolução, ressalvadas as hipóteses de comprovada boa-fé objetiva do servidor público.
Assim sendo, pode-se afirmar que atualmente prevalece no STJ o entendimento de que somente é devida a restituição de valores pagos indevidamente a servidores públicos quando tais pagamentos forem decorrentes de erro administrativo, operacional ou de cálculo, e, concomitantemente, não tenha sido comprovada a boa-fé objetiva dos servidores beneficiados.
Logo, para obstar a devolução ao erário de valores pagos indevidamente em razão de erro administrativo, basta a caraterização da boa-fé objetiva por parte do servidor público, de modo que se demonstre, sobretudo, a impossibilidade de ciência do caráter indevido do benefício que lhe era pago pela Administração Pública.
Inobstante as entidades sindicais tenham obtido sucesso em obstar inúmeras pretensões de reposição ao erário, pela Administração Pública, de valores recebidos de boa-fé por servidores públicos, por certo, ainda resta um longo caminho a ser percorrido, especialmente no que diz respeito à manutenção de benefícios pagos há mais de cinco anos pela Administração.
Isso porque, quando a administração pública estabelece para os servidores o direito ao recebimento de uma gratificação contínua, somente poderá alterar o entendimento e, por consequência, suprimir o pagamento da gratificação anteriormente estabelecida, se o fizer dentro do prazo de cinco anos a partir do primeiro pagamento da gratificação. Passados cinco anos do primeiro pagamento, o direito da administração é atingido pela decadência, nos termos do art. 54, § 1o, da Lei 9.784/1999. Com base neste fundamento, sindicatos como Sindsep/MG e Sindifes/MG têm endereçado diversos recursos, em ações judiciais, ao STJ, no intuito de obter pronunciamentos condizentes com o referido dispositivo legal.
De todo modo, obstar a reposição ao erário de valores decorrentes de interpretação equivocada de lei por parte da Administração e/ou recebidos de boa-fé pelos servidores públicos representa, para os sindicatos, importante vitória na defesa dos direitos de seus integrantes.
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