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“PEC dos Precatórios”: sufocado pelo Teto de Gastos, governo recorre a calote para pagar contas

23 setembro, 2021

No último dia 16 de setembro, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, por 32 votos a 26, parecer que considerava constitucional a Proposta de Emenda Constitucional nº. 23/2021, de autoria do Poder Executivo, que abre as portas para o parcelamento dos precatórios expedidos contra a administração direta e indireta da União.

Com a medida, o Governo pretende obter margem para incluir na sua programação orçamentária despesas hoje inviabilizadas pelo “Teto de Gastos”, gatilho criado pela Emenda Constitucional nº. 95/2016, que limita a expansão do investimento público e demais gastos da União à variação anual da inflação. Entre essas despesas, estão iniciativas que podem render dividendos eleitorais ao Governo em 2022, como é o caso do famigerado “Auxílio-Brasil”.

Caso aprovada nas duas casas do Congresso Nacional, a PEC atingirá, já em 2022, o pagamento dos chamados superprecatórios – obrigações judiciais superiores a 60 mil salários mínimos ou R$66 milhões – os quais serão parcelados em nove parcelas anuais, com entrada de 15%. Esses créditos milionários são, na sua maior parte, destinados a estados e municípios e correspondem a repasses obrigatórios não realizados pela União a tempo e modo.

No entanto, a proposta também prevê o parcelamento de precatórios quando a soma deles ultrapassar 2,6% da receita corrente líquida (RCL) acumulada nos doze meses anteriores, independentemente do valor de cada um. No cenário atual, estima-se que a aprovação da PEC sujeitaria a parcelamento os precatórios de valor igual ou superior a R$400 mil. No futuro, esse limite mínimo teria uma tendência de redução, já que o parcelamento criaria uma bola de neve no médio prazo, com um comprometimento progressivo da RCL a cada ano.

Assim, caso a medida seja aprovada, a moratória, para não dizer calote, não tardaria a chegar aos titulares de créditos alimentares: servidores públicos, segurados do INSS, etc.

             Precatórios

Precatórios são ordens de pagamento emitidas pelo Poder Judiciário contra os órgãos da administração pública direta e indireta. Eles envolvem restituição de tributos, indenizações devidas pelo Poder Público, salários de servidores e empregados públicos, entre outras verbas. Quando apresentados até 1 de julho, essas requisições devem ser quitadas até o encerramento do exercício fiscal seguinte. Ficam sujeitos ao regime dos precatórios os credores cujos valores sejam superiores a sessenta salários mínimos.

Taxa Selic

A proposta ainda prevê que os créditos inscritos em precatórios serão atualizados pela Taxa Selic, e não mais pelo IPCA-E, o que pode significar perda do valor real da obrigação, uma vez que, em um cenário de estagnação econômica, a tendência é a de que o índice fixado pelo Banco Central fique abaixo da inflação mensal medida pelo IBGE.

A iniciativa é prejudicial ao credor do Estado porque substitui índice representativo da variação do poder aquisitivo da moeda (o IPCA-E) por índice pré-fixado e destinado ao controle ex ante da inflação por meio da elevação ou redução do custo de captação do crédito por parte das instituições financeiras. A Taxa Selic não é índice de variação de preços, mas instrumento de política monetária. Sua utilização como indexador das condenações entre particulares é objeto de controvérsia até mesmo no STJ.

Juiz parcial: Presidente do STF pretende legislar por meio de resolução

Antevendo dificuldades na aprovação da PEC 23/2021, o Presidente do STF e do CNJ, Min. Luiz Fux, já entrou em campo para garantir os interesses do Governo. No final de agosto, em palestra ministrada em evento de conhecida corretora de investimentos, o Chefe do Poder Judiciário sugeriu que a saída para eventual impasse no mundo político seria a fixação de uma espécie de “teto paralelo” para os precatórios por meio de resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

A ideia, noticiou o Infomoney, é estabelecer como limite anual para o pagamento de precatórios o montante atualizado das despesas realizadas em 2016, ano de criação do “Teto de Gastos”. O excedente seria incluído no orçamento do ano seguinte.

Mas nem tudo são flores: a sugestão do ministro representaria, já em 2022, um corte significativo de R$49 bilhões em relação à proposta orçamentária enviada pelo Planalto, que prevê a quitação integral dos precatórios apresentados até 1 de julho de 2021 (algo em torno de R$89,1 bilhões). Como visto, o valor decotado seria incluído na programação orçamentária de 2023. Sucede que esse passivo seria superior ao limite previsto no orçamento, impedindo o pagamento das obrigações daquele ano, gerando, enfim, um óbvio efeito cascata.

A proposta nada mais é que um drible da vaca no Congresso Nacional e na população. E um convite ao caos nas contas públicas: segundo consultores da Câmara, a infeliz proposta costurada pelo Min. Luiz Fux pode gerar uma bola de neve de até R$1,448 trilhão até o fim de 2036. Matéria do Terra informa que a Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara apurou que, vingando a proposta do ministro, o último dos precatórios de 2022 levaria quatro anos, no melhor dos casos, para ser quitados. Segundo a mesma fonte, não haveria pagamento de novos precatórios antes de 2025.

Medalhões propõem retirar os precatórios do “Teto de Gastos”

De acordo com o Uol, Pedro Parente, Eduardo Guardia, Mansueto Almeida, Amaury Bier e Carlos Kawall, ex-membros de equipes econômicas do Planalto, chegaram ao consenso de que as alternativas apresentadas até o momento não apenas não solucionam, como ainda aprofundam o problema do endividamento da União. Para eles, a solução passa pela retirada das despesas com precatórios do teto instituído pela EC 95/2016.

A ameaça ainda é real

Ainda que o caminho ainda seja longo para o Governo, é necessário que o movimento sindical esteja permanentemente atento aos próximos desdobramentos, atuando de maneira proativa no sentido de barrar mais esse ataque à categoria.

Só há precatório onde há direito líquido, certo e determinado. O precatório é, pois, uma garantia, um documento de direitos. É nessa condição que deve ser defendido.

 


 

 

 

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