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PEC 32/2020: Reforma Administrativa

9 setembro, 2021

Dra. Pilar do Nascimento e Silva Henriques

Em setembro de 2020, o Governo Bolsonaro encaminhou ao Congresso Nacional a PEC 32, também conhecida como “Reforma Administrativa”, com o suposto objetivo de “acabar com os privilégios e regalias”, que oneram excessivamente o Estado Brasileiro. No entanto, as carreiras que mais oneram o serviço público não foram incluídas na reforma: juízes, promotores, militares, parlamentares não são atingidos pela proposta.

Se o objetivo é diminuir os gastos com o pagamento dos servidores, não deveriam estar incluídas na reforma as carreiras que mais oneram a folha de pagamento do Estado? Sendo assim, qual seria o objetivo da proposta? Ainda, uma reforma administrativa não deveria ser pautada em melhorar o serviço público, e não só focar em diminuição de gastos?

Bem, é sabido que o Governo Bolsonaro, em destaque o Ministro Paulo Guedes, tenta a todo custo descredibilizar o serviço público, afirmando que o funcionalismo gasta muito e entrega pouco. Uma narrativa que desmoraliza o serviço público para justificar a reforma que atinge, na verdade, os servidores que ganham muito abaixo do teto.

Entre os pontos mais polêmicos da PEC estão o fim da estabilidade, fim de promoções automáticas e benefícios como a licença prêmio, adicional por tempo de serviço e outros.

Em seu caminho pela Câmara desde que foi protocolado, o texto já sofreu diversas alterações. No dia 31 de agosto, foi protocolado pelo deputado Arthur Maia o substitutivo do texto original, que deverá ser votado entre os dias 14 e 16 do mês de setembro, na Comissão Especial da Câmara.

Vamos aos pontos mais relevantes do texto apresentado pelo relator:

Estabilidade:

O novo texto manteve a estabilidade para os servidores que ingressarem no serviço público, caso a reforma seja aprovada.

Hipóteses de demissão:

Atualmente o servidor público estável só pode perder o cargo em razão de decisão judicial transitada em julgado, mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa, ou mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, também assegurada a ampla defesa.

Se aprovada como está, o servidor estável poderá perder o cargo em razão de decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa e em decorrência de resultado insatisfatório em procedimento de avaliação de desempenho, assegurada ampla defesa e observadas as condições de que se trata o inciso XXXIII do art. 22 da Constituição Federal.

Nesse ponto a PEC afeta diretamente servidores que já compõem os quadros da administração, que poderão perder o cargo por decisão proferida por órgão judicial colegiado.

Além disso, o servidor poderá perder o cargo, caso seja reconhecido que este se tornou obsoleto ou desnecessário. A questão aqui é que a reforma ampliou as competências da União sobre a matéria, vejamos.

Ampliação das competências da União:

As alterações nos art. 22, 37 e 39 da Constituição Federal concentram na União Federal, e por consequência no Presidente da República, competência para legislar sobre temas de extrema relevância para o serviço público. Com a nova redação, por exemplo, compete privativamente à União legislar sobre condições para perda do cargo “em decorrência do reconhecimento de que o cargo se tornou desnecessário, na hipótese prevista no §3°-B do art. 41” da Constituição. Previsão que afeta os atuais servidores.

Contratação por tempo determinado:

O texto prevê hipótese de contratação por tempo determinado, para atender necessidades temporárias, previstas em lei federal, estadual, distrital ou municipal, por período que não exceda 10 anos. Nesses casos contratação será feita por processo seletivo simplificado, ou seja, sem necessidade de concurso público.

O concurso público é um dos pilares do funcionalismo público, ele garante, juntamente com a estabilidade e outros institutos, a imparcialidade, a competência e preparo daqueles que assumirão os cargos, além de afastar da Administração o nepotismo, e dificultar que a corrupção se aventure por ela. Nesse sentido, a crítica a ser feita é que, mesmo tendo mantido a estabilidade dos novos servidores, o texto prevê uma possibilidade de contratação que não precisa de concurso público, e por um prazo de 10 anos.  Essa previsão, por certo, enfraquece o instituto do concurso, e consequentemente o serviço público.

Benefícios

A PEC extingue diversos benefícios, os novos servidores não terão direito:

Licença-prêmio (folga de três meses concedida depois de cinco anos de trabalho); Aumentos retroativos; Férias superiores a 30 dias por ano; Adicional por tempo de serviço; Aposentadoria compulsória como punição; Parcelas indenizatórias sem previsão legal; Adicional ou indenização por substituição não efetiva; Redução de jornada sem redução de remuneração, exceto se for por condição de saúde; Progressão ou promoção baseada exclusivamente em tempo de serviço; Incorporação ao salário de valores referentes ao exercício de cargos e funções

Conclui-se que apesar da reforma não alterar o regime jurídico dos atuais servidores públicos, se aprovada, instaura uma sistemática constitucional que enfraquece o serviço público, a autonomia dos servidores, precariza as carreiras, retira benefícios. A proposta não cumpre o que propõe, já que não abrange as carreiras com remunerações e subsídios que ultrapassam o teto constitucional. E não menos importante, o texto não visa a melhoria do serviço público. Dessa forma, tanto os que já compõem os quadros da administração pública, quanto aqueles que desejam compor, devem lutar para que a reforma não seja aprovada: é hora de mobilização!

Importante lembrar que, por ser uma Proposta de Emenda à Constituição, ela deve ser aprovada pelas duas casas do Congresso Nacional, em dois turnos de votação, por 3/5 dos membros de cada uma delas. Ainda há um caminho a ser percorrido até que a proposta seja aprovada ou rejeitada, e por isso é tão importante a união dos atuais e futuros servidores para pressionar os deputados e senadores.

Uma reforma administrativa deve visar a melhoria do serviço público e ser construída em conjunto com os servidores e cidadãos, deve ser um texto que abranja toda as carreiras, observando a peculiaridade de cada uma delas e que fortaleça a Administração Pública e os princípios que a regem.
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