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Artigo – Que Reforma Tributária merecemos?

5 fevereiro, 2021

por Roberto Miglio Sena [1]

⠀⠀⠀⠀Não é novidade para ninguém as principais características do atual sistema tributário brasileiro:

⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀i) altamente complexo;

⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ii) de uma carga tributária considerável;

⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀iii) extremamente injusto e regressivo.

⠀⠀⠀⠀Substituição tributária, creditamento, não-cumulatividade, Processos Tributário-Administrativos (PTAs), fato gerador, lançamento por homologação, repetição de indébito, entre outros, são termos muitas vezes restritos aos profissionais da área, ficando boa parte da população (e portanto dos contribuintes) alheios ao que acontece no universo do Direito Tributário.

⠀⠀⠀⠀Não por acaso, há vários anos fala-se da necessidade de uma reforma tributária que torne o sistema menos complexo e menos injusto.

⠀⠀⠀⠀Já sob a égide do Governo Bolsonaro, ganharam força as propostas da PEC 45/2019 (Proposta de Emenda Constitucional, em trâmite na Câmara) e da PEC 110/2019 (em trâmite no Senado).

⠀⠀⠀⠀Em linhas gerais, as propostas de reforma tributária visam unificar a tributação sobre o consumo, hoje diluída entre vários tributos (Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, Imposto Sobre Serviços – ISS, etc.), em um único imposto: o Imposto sobre bens e serviços – IBS, algo semelhante ao Imposto de consumo que já é utilizado em larga escala mundial. O principal foco da reforma é, portanto, a simplificação da tributação do consumo.

⠀⠀⠀⠀E este tema parece realmente estar na “agenda do dia” para o ano de 2021. Tão logo foi eleito presidente do Senado, o político mineiro Rodrigo Pacheco afirmou que a reforma tributária será uma das prioridades do governo [2].

⠀⠀⠀⠀Mas será que o atual projeto contempla todos os ajustes necessários e corrige as injustiças latentes da tributação à brasileira?

⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀Em nosso entendimento não. Embora as propostas possuam pontos positivos, especialmente no que diz respeito à simplificação tributária, entendemos que se trata de uma reforma insuficiente, pois não aborda diversas questões que são fruto de injustiça fiscal.

⠀⠀⠀⠀A reforma do Estado brasileiro necessariamente passa por uma modernização do ordenamento tributário. O atual sistema onera demasiadamente os bens de consumo e tributa insuficientemente a renda e o patrimônio.

⠀⠀⠀⠀Abaixo listamos alguns dos pontos que consideramos fundamentais se quisermos uma tributação mais justa, menos regressiva e que proporcione justiça social:

  • Simplificar e reduzir a tributação sobre o consumo, especialmente de bens essenciais, tais como alimentos, energia elétrica e combustíveis [3];
  • Instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas – IGF [4];
  • Estabelecer uma tributação mais progressiva sobre a renda, com mais faixas de tributação e maior diferenciação entre elas [5];
  • Alterar a modelagem da tributação da Pessoa Jurídica, saindo de um
    sistema focado no Imposto de Renda Pessoa Jurídica – IRPJ e na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, para um sistema que se atente à tributação de dividendos [6];
  • Estender a cobrança do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA também para aeronaves e embarcações [7];
  • Tributar as heranças de forma mais incisiva [8];
  • Investir no combate à sonegação fiscal e endurecer as penas para aqueles que praticam o crime de sonegação fiscal [9].

⠀⠀⠀⠀Não se trata, portanto, de tributar mais e aumentar o peso do Estado, mas sim de um ajuste tributário que possibilite maior desenvolvimento econômico e redução das desigualdades, implementando-se um sistema que seja menos regressivo e menos injusto.

⠀⠀⠀⠀Essa sim é a ampla reforma tributária que o povo brasileiro merece. Uma reforma que retire o peso daqueles que se encontram na base da pirâmide econômica e cobre a devida contribuição dos privilegiados e abastados que se encontram no topo.


[1] Sócio e Advogado junto ao Escritório Aroeira Braga, Gusman Pereira, Carreira Alvim e advogados associados. Especialista em Direito Público pela Gama Filho. Mestre em Direito Tributário pela UFMG.

[2] O ESTADO DE MINAS (online) Rodrigo Pacheco diz que reformas tributária e administrativa são prioridade. In Notícias – Senado. Autoria: Jorge Vasconcellos. Publicado em: 03/02/2021. Disponível em: <https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2021/02/03/interna_politica,1234851/rodrigo-pacheco-diz-que-reformas-tributaria-e-administrativa-sao-prioridade.shtml> . Acesso em 04/02/2021.

[3] Existem diversos estudos que apontam que a tributação sobre o consumo é altamente regressiva, especialmente se direcionada a bens essenciais, que são consumidos por toda população, mesmo que em quantidades distintas. Sobre esse tema, confira-se: SENA, Roberto Miglio. Seletividade e Justiça Fiscal. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016.

[4] Aos desavisados da classe média / média alta vale o alerta: não é qualquer “milhão” que será tributado. Existem propostas tramitando no Congresso que determinam que o IGF seria aplicável para fortunas superiores a R$ 50 milhões, o que atingiria menos de 0,1% da população brasileira.

[5] É inconcebível o atual sistema no qual um cidadão que recebe mensalmente valores na faixa de R$ 6.000,00 (seis mil reais) seja tributado com a mesma alíquota máxima de 27,5% em comparação com um cidadão que possua uma renda 10 ou até 100 vezes superior. O atual modelo acaba sufocando a classe média e privilegiando os mais ricos.

[6] O Brasil é um dos poucos países que continua isentando integralmente de imposto de renda os dividendos distribuídos a acionistas. (…) A maioria dos países desenvolvidos (incluindo os Estados Unidos) mantém, com alguns ajustes e modificações, o sistema clássico de tributação do lucro, que prevê a cobrança em duas etapas: na empresa e depois na pessoa física. Vide relatório Austeridade e Retrocesso.

[7] Se você possui uma moto ou um carro popular certamente sofre a cobrança do IPVA no início de cada ano. O que você pensaria se descobrisse que aquele milionário que anda de jatinho, helicóptero ou lancha não paga IPVA sobre seus luxuosos meios de transporte? Pois é. Até hoje é assim que funciona no Brasil.

[8] Quanto ao tema das heranças, Liam Murphy e Thomas Nagel afirmam que a transmissão de riqueza pela herança é uma das principais causas históricas de acumulação de riqueza e desigualdades econômicas e discutem a fundamentação da tributação sobre este tipo de transferência de propriedade / riqueza. In: MURPHY, Liam; NAGEL, Thomas. O mito da propriedade: os impostos e a justiça.  São Paulo: Martins Fontes, 2005. Pág 194/223.

[9] O Brasil perde R$ 417 bilhões por ano com sonegação de impostos. A titulo de ilustração, a incisiva reforma da previdência aprovada propõe economizar cerca de 870 bilhões em 10 anos. Isso corresponde a apenas 2 anos de sonegação fiscal. – Fonte: EBC – EMPRESA BRASIL DE COMUNICAÇÃO (online). Brasil perde R$ 417 bi por ano com sonegação de impostos, diz estudo. In Notícias – Geral. Publicado em 12/12/2020. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-12/brasil-perde-r-417-bi-por-ano-com-sonegacao-de-impostos-diz-estudo#:~:text=O%20Brasil%20deixa%20de%20arrecadar,2%2C33%20trilh%C3%B5es%20por%20ano.>. Acesso em 04/02/2021.

 

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