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Artigo – O servidor pode se recusar a tomar vacina de COVID? Potenciais desdobramentos

24 agosto, 2021

por Maria Thereza Vidigal Aroeira [1]

A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem advertido que para conter o avanço da Covid-19 e evitar a propagação de novas cepas e variantes ainda mais contagiosas, é necessária a adoção de diversas medidas preventivas e concomitantes, tais como o distanciamento social, a higienização das mãos com sabonete e/ou álcool em gel, o uso correto de máscaras de proteção e, sobretudo, a vacinação em massa.

Ressalte-se que tais medidas têm sido adotadas por diversos países, inclusive no Brasil (onde mais de 470.000 brasileiros já morreram contaminados pelo vírus),  e bons resultados têm sido alcançados, com a diminuição de números de contágios, internações e óbitos, sendo indispensável se reconhecer que a vacinação se constitui como medida necessária, urgente e eficaz para proteger a população, tendo em vista que a saúde é “direito de todos e dever do Estado”, bem como levando-se em consideração que a imunização em massa colabora para o gradual retorno das atividades econômicas, sociais, culturais, comerciais, bem como a reabertura de vagas de emprego, dentre outras atividades de suma importância para a vida em sociedade.

No dia 17/12/2020, por dez votos a um, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que é compulsória a vacinação contra a Covid-19.

Segundo o STF, a compulsoriedade da vacinação contra a Covid-19 não é sinônimo de uma vacinação forçada, mas sim que sanções poderão ser estabelecidas contra aqueles que decidirem não se imunizar.

O Supremo Tribunal Federal também decidiu que a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios têm autonomia para estabelecer regras para a imunização e, ainda, para estabelecer sanções contra quem optar por não se imunizar, tais como a de não receber benefícios, o impedimento de frequentar determinados lugares, de realizar matrícula em escolas ou não realizar viagens internacionais, por exemplo.

O que houve, portanto, ainda que indiretamente, foi o reconhecimento da desnecessidade do consentimento prévio das pessoas para a realização da imunização contra a Covid-19.

Assim, a despeito de não existir uma lei que obrigue uma pessoa a se imunizar, não se pode olvidar que além da decisão do STF acima referida, em 07 de fevereiro de 2020, veio a lume a Lei 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas que devem ser implementadas pela Administração Pública para o enfrentamento emergencial do combate ao novo coronavírus.

O texto do art. 3º, inciso III de citado diploma legal prevê a possibilidade de vacinação compulsória, bem como outras medidas que se fizerem necessárias, tais como exames médicos, testes laboratoriais, tratamentos médicos específicos etc.

Com efeito, a vacinação em massa da população contra a Covid-19 se constitui em medida emergencial, uma vez que se trata de doença altamente contagiosa, geradora de uma pandemia que é combatida por todo o mundo, tendente a gerar colapso dos sistemas de saúde público e privado (escassez de leitos de UTI’s, cilindros de oxigênio, respiradores hospitalares – como foi o caso de Manaus –, a elevação de internações hospitalares, de óbitos e prejuízos para a economia, a perda de vagas de emprego, o fechamentos de estabelecimentos comerciais, industriais e de serviços, o fechamento de escolas etc.).

Considerando a gravidade da pandemia, resta evidente que todos devem se vacinar, como assim defende a Organização Mundial da Saúde, bem como a ciência e a tecnologia em geral.

Agora, especificamente em relação aos empregados e servidores públicos, já existem decisões emanadas pelo Poder Judiciário no sentido de que a recusa imotivada em tomar a vacina contra a Covid-19 poderia levar à dispensa por justa causa.

De modo geral, vem se entendendo que a recusa em realizar a imunização contra a Covid-19, sem justa causa médica, pode vir a ser considerada falta grave, podendo resultar até mesmo na exoneração do cargo.

Isso porque nessas situações o que se pontua é um conflito entre a liberdade e o direito de escolha do trabalhador versus a segurança da coletividade, uma vez que a recusa de um poderia colocar os demais em risco.

Importante ressaltar que a validade da infração aplicada pode vir a ser questionada no caso concreto. Contudo, parcela considerável da doutrina e da jurisprudência vêm entendendo que nestes casos deve-se privilegiar a segurança da coletividade.

Com efeito, é dever do empregador e da Administração Pública oferecer aos seus trabalhadores ambiente de trabalho ecologicamente equilibrado e seguro, razão pela qual devem disponibilizar informativos sobre a necessidade de se minimizar os riscos de contágio e, sobretudo, da indispensabilidade da vacinação.

Assim, sendo a vacina uma garantia, quando um funcionário, seja do setor público ou privado, se recusa a se imunizar, ele acaba assumindo o risco de ficar doente, podendo colocar os demais também em risco.

O direito social à saúde, bem como seu acesso, é concebido como um direito de todos e dever do Estado, o qual deve garanti-lo mediante políticas sociais e econômicas e a oferta de serviços públicos que visem à redução do risco de doenças e outros agravos.

Assim, sendo a saúde um direito social de todos, cabe ao Estado, no presente momento, privilegiar a segurança da coletividade em desfavor da liberdade individual de escolha.

A Prefeitura de Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, já publicou um decreto, tornando obrigatória a vacinação contra a Covid-19 dos servidores públicos municipais, determinando que aquele que se recusar a tomar a vacina, pode sofrer sanções que vão da aplicação da penas de advertência até a demissão por justa causa e/ou exoneração do cargo.

Segundo o Decreto no 42.87/2021, os trabalhadores que recusarem a imunização quando convocados, estarão sujeitos à eventual instauração de PAD (Processo Administrativo Disciplinar) e exoneração, demissão por justa causa ou rescisão do contrato de trabalho temporário.

Apenas aqueles servidores que comprovarem possuir alguma comorbidade que impeça a imunização estão dispensados da sua obrigatoriedade (desde que devidamente comprovado).

Não há, no presente momento uma regulamentação específica para os servidores públicos do Estado de Minas Gerais e tampouco há qualquer Projeto de Lei sobre o tema em trâmite na Assembléia Legislativa de Minas Gerais ou na Câmara Municipal de Belo Horizonte.

Assim, hoje, não existe nenhuma lei específica que obrigue o servidor público a se vacinar.

Entretanto, a partir da decisão do STF, bem como levando-se em consideração que a saúde é um direito social de todos, cabendo ao Estado privilegiar a segurança da coletividade, algumas empresas já têm demitido funcionários por justa causa nos casos em que o empregado deliberadamente optar por não tomar a vacina contra a Covid-19.

Ao votar sobre o tema, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, foi favorável à vacinação obrigatória para a Covid sob o entendimento de que ela é uma forma de proteção da sociedade, o que, na sua concepção, não fere direitos individuais.

Já o ministro Luís Roberto Barroso, ao proferir o seu voto, afirmou que todos os indivíduos têm direito à liberdade inviolável de consciência e de crença. Contudo, existe o direito à saúde da coletividade e principalmente das crianças, e que esse direito se sobrepõe aos demais.

Segundo o ministro Luís Roberto Barroso:

“Não é legítimo em nome de um direito individual, que seria a liberdade de consciência, frustrar o direito da coletividade, mas não um direito abstrato, é o direito de cada um individualmente de não estar exposto à contaminação por uma doença que poderia ser evitada mediante vacinação, o poder familiar, que antigamente era referido como pátrio poder, não autoriza que os pais invocando convicção filosófica coloquem em risco a saúde dos filhos”.

No mesmo julgamento, o ministro Alexandre de Moraes fez questão de lembrar que, naquela ocasião, quase 200 mil brasileiros já haviam morrido contaminados pela Covid-19 e, ato contínuo, qualificou de hipócrita a tese daqueles que se opõem  no Brasil à imunização contra a Covid-19, mas que se vacinam apenas para obter visto de entrada em diversos países.

A ministra Cármen Lúcia também votou a favor da obrigatoriedade da vacinação contra a Covid-19, bem como reforçou a necessidade de se continuar sendo necessário o respeito às medidas de proteção, sustentando que “a Constituição não garante liberdade de uma pessoa para ela ser egoísta. (…) ela vive no meio de todos, ela responde por si e pelo outro”.

Marco Aurélio foi o nono ministro a votar pela obrigatoriedade da vacinação contra a Covid e a autonomia de estados e municípios na questão. Como vários colegas, Marco Aurélio considerou que na pandemia o interesse coletivo está em jogo, acima da posição pessoal.

O último a votar foi presidente do tribunal, o ministro Luiz Fux, que acompanhou os votos dos relatores, tendo encerrado a votação nos seguintes termos:

“Hesitação contra a vacinação é considerada uma das dez maiores ameaças à saúde global, segundo a OMS. Quero agradecer a vossas excelências pelo empenho e esforço para concluir o resultado dessa questão, transmitindo ao povo brasileira a segurança que ele tanto precisava quanto a esse tema que ora se põe diante dessa pandemia que já levou a óbito tantos brasileiros”.

Sobre o assunto, também está em tramitação, em regime de urgência, o Projeto de lei 107/2021, do Governo do Ceará, que visa punir servidores públicos que se recusem a tomar a vacina contra a Covid-19.

O Projeto de Lei 107/2021 prevê como possíveis penalidades para aquele servidor que se recusa a se imunizar um alerta, uma notificação, a suspensão ou até mesmo a dispensa do funcionário.

Referido Projeto de Lei estabelece a vacinação como um dever funcional dos servidores e empregados públicos estaduais, e, ainda, como uma medida de resguardo da salubridade do ambiente de trabalho e de proteção da saúde, tanto de usuários quanto de todos os demais agentes envolvidos na prestação do serviço público.

Entretanto, importante ressaltar que o Projeto de Lei 107/2021 ainda não foi aprovado.

De todo modo, a partir dessa decisão do STF, algumas empresas já têm demitido funcionários por justa causa para aquele empregado que deliberadamente opta por não tomar a vacina contra a Covid-19.

Importante lembrar, ainda, que caso as empresas ou os órgãos públicos não tomem medidas como essa, eles podem acabar assumindo o risco de acidente de trabalho, isto é, se o empregado ou o funcionário público conseguir comprovar o nexo causal (a relação entre a contaminação e o seu trabalho), isso poderia acabar sendo caracterizado como acidente de trabalho, onerando, assim, a empresa/órgão público.

Não há, no presente momento uma regulamentação específica para os servidores públicos do Estado de Minas Gerais e tampouco há qualquer Projeto de Lei sobre o tema em trâmite na Assembléia Legislativa de Minas Gerais ou na Câmara Municipal de Belo Horizonte.

Assim, por todo o exposto, conclui-se que apesar de ainda não existir uma regulamentação específica para os servidores públicos do Estado de Minas Gerais no que diz respeito aos possíveis desdobramentos da recusa à vacina da Covid-19, a orientação é de que seja respeitada a vacinação em massa, uma vez que o direito social à saúde, bem como o seu acesso, é tido como um direito de todos e dever do Estado, e ainda, levando-se em consideração a decisão do STF sobre o tema, que entendeu ser compulsória a imunização contra a Covid-19, podendo haver inclusive o estabelecimento de sanções em face daqueles que optarem por não se imunizar.

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[1] Advogada associada do escritório Aroeira Braga, Gusman Pereira, Carreira Alvim e advogados associados. Bacharela em Direito pela Milton Campos. Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes – UCAM.

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